O JANTAR



Cheguei no horário combinado. Ela estava usando uma calça de couro e uma camiseta dos Rolling Stones. Batom vermelho. Levemente bêbada. Eu estava bastante bêbado.

- Você é pontual – falou me beijando.

Ela disse que o jantar estava no forno. Enquanto isso, bebemos vinho e conversamos sobre coisas que as pessoas conversam e depois não lembram mais, pois não queriam estar conversando sobre tais coisas. Matando o tempo. Vivemos para matar o tempo, até que ele nos mate.

- Hum... o cheiro tá muito bom – elogiei. E realmente estava. Nunca havia sentido nada igual.

Ela me beijou e me levou para cozinha pela mão. Servi outra taça de vinho e me sentei. Ela colocou o jantar na mesa. 

- Que merda é essa? – perguntei espantado ao ver uma cabeça humana assada em minha frente.

- É meu ex-namorado. Cleber.

Ela abriu um tampão na careca e provou uma fatia do cérebro. 

- Está ótimo – falou, passando a língua nos lábios.

Colocou um pedaço no meu prato. Realmente era a melhor coisa que eu já tinha comido em minha vida. Talvez por estar bêbado. 

Após o jantar, fomos para cama. Sentia-me meio tonto. Dopado mesmo. Enxergava embaçado e mal ouvi quando ela perguntou se eu queria ser o seu namorado. Lembro que respondi que sim e adormeci.

DESCONFIANÇA


- O que ele tem te receitado agora? – perguntei pra Lia.

- Rivotril. E pra você?

- Sertralina de sempre e agora acrescentou um antipsicótico. Rispiridona.

- Antipsicótico?

- Acho que vai me fazer parar de pensar demais. E ter menos desconfiança.

- Você tem muita desconfiança?

- Não chamaria de desconfiança, mas certezas de coisas que eu sei que estão acontecendo, mas como não tenho provas, dizem que é tudo neurose, desconfiança etc.

- Que tipo de coisas?

- Nada não, deixa quieto.

- Eu sou sua amiga, pode se abrir.

- Eu... bem... sabe o Claudião? Acho que ele que matou a mulher.

Lia deu uma risada.

- Eu não disse, porra. Por isso não ia falar.

- Ai, desculpa, mas de onde você tirou isso? Você contou para o médico?

- Sim. Disse que desconfiava que um amigo fosse assassino e que havia pessoas conspirando contra mim. Foi quando me receitou a primeira vez. 2 mg por dia. Acho que ele está envolvido.

Lia pareceu nervosa e acendeu um cigarro.

- Quando você tem consulta de novo? – me perguntou, enquanto guardava o isqueiro.

- Segunda vou lá. Mas acho que vou trocar de médico depois.

Terminamos nossas bebidas e nos despedimos.

Quando entrei na sala do médico na segunda, ele trancou a porta. Nunca trancava. Então de outra sala saíram Lia e Claudião sorrindo. Antes que eles fizessem algo, puxei a minha arma – eu havia desconfiado deles e a trouxera – e atirei nos dois. Apontei para o doutor. Ele ficou sentado com as pernas cruzadas e tentou pedir que eu me acalmasse, pois eu estava apenas tendo um ataque nervoso. Atirei. Recolhi algumas amostras grátis do armário e fui para casa procurar outro médico.

SER O PRIMEIRO



Em cada roda de conversa eu percebia que cada um queria ter mais dinheiro do que os outros. Falar melhor do que os outros. Ter o melhor carro do que os dos outros. Ler mais do que os outros. Ter viajado mais do que os outros. Ter ido a mais festas. Ter o cão com mais pedigree do que os outros. Ter mais sapatos do que os outros. Passado as férias em Cancun antes do que os outros. Ter empregadas que cozinhassem as melhores costeletas de porco do que a dos outros.

Notei que eu precisava tomar uma decisão drástica em minha vida e almejar mais conquistas e me tornar um cara melhor. Sentei-me e liguei para Meg para contar sobre meu plano de mudança. Ela sorriu no telefone e disse - com aquela voz macia - que eu já era o melhor cara e pediu para eu voltar para casa, pois eu estava me contaminando pelo egocentrismo alheio. Olhei em volta com mais atenção e enxerguei dezenas de rostos de plástico anencéfalos que formavam um espetáculo de exibicionismo.

Decidi que o que eu queria era apenas sair dali antes do que os outros

FOMOS PARA O CASSINO FICAR RICOS



Eu estava concentrado em minha bebida quando ela surgiu do nada, intimidadora e mais linda do que nunca.

- Tem que ser hoje – falou direto sem cumprimentar.

- De hoje não passa, pode ficar tranquila. Trouxe a grana?

- Você disse isso semana passada. O dinheiro está bem guardado.

- Não vai se despedir dela antes? Afinal é sua mãe – brinquei.

Ela nunca foi minha mãe. Apenas uma vadia que se aproveitou do meu pai gastando todo seu dinheiro com jogos e que vai me pagar pela morte dele.

À noite ela apareceu em minha casa para efetuar o pagamento. Eu havia dito ter terminado o serviço. Após ela me mostrar o dinheiro, assoviei e sua mãe apareceu na sala apontando uma arma para ela, que tentou me convencer que eu também estava sendo enganado e que seria morto assim como o seu pai.

- Fui eu quem matou o seu pai – revelei, me abraçando em sua mãe. 

Ela acendeu um cigarro tentando não demonstrar medo e encarou sua mãe.

- Atira logo – disse ela.

Sua mãe atirou. Pegamos o dinheiro e fomos para o cassino ficar ricos.

TENTATIVAS FRACASSADAS DE IGNORAR O FRACASSO


Cada minuto que passava tinha mais certeza de ter feito a escolha errada. Então se afastou, acendeu um cigarro e desviou seus pensamentos para fora daquele lugar insano onde todos corriam atrás de algo que os fizessem mais humanos e menos inseguros, mesmo sabendo que isso era impossível

DURANTE A MADRUGADA



Eram três da manhã quando o telefone tocou. Sempre as tragédias acontecem durante a madrugada, por que nunca às quatro da tarde, quando estamos dentro de um entediante trabalho?

Avisaram-me que minha esposa havia sofrido um grave acidente de carro.

Eva me disse que havia viajado a trabalho, porém o acidente ocorrera em nossa cidade. Fui para o hospital.

Me identifiquei na recepção e me pediram para aguardar. Havia pessoas gemendo, vomitando, chorando, rindo, correndo. Pensei que o hospital pode ser uma metáfora da nossa sociedade, onde todos se apoiam em um deus sempre quando estão diante do desespero e do inevitável. Me chamaram.

- Sua esposa não resistiu – falou o médico.

- Escute, havia mais alguém com ela?

Me indicou o quarto onde o cara que estava com ela repousava. O provável amante da minha mulher. Havia sofrido apenas alguns arranhões. Era bonito o filha da da puta. O acordei.

- Ei – eu disse. - Prazer. Eu sou o marido da mulher que você matou. 

Ele se desculpou dizendo que foi um acidente e coisa e tal. Peguei um travesseiro e afundei na sua cara. Ele tentou resistir se debatendo por alguns segundos, como um animal desesperado durante o abate, mas apagou rápido.

Eram 4:30. Ainda um bom horário para acordar alguém com uma má notícia

CAFÉ DA MANHÃ DE SÁBADO


Aos sábados gosto de tomar café da manhã na padaria. Uma xícara de cappuccino com uma torrada com queijo cheddar. Luma faz as melhores torradas. E tem as melhores pernas.

- Você tem as melhores pernas, Luma - eu dizia. Todos os sábados eu falava isso. Ela apenas sorria e me servia o café. Eu adorava nosso ritual.

Peguei o jornal para ler enquanto esperava a torrada e um homem entrou e anunciou o assalto. O encarei e ele disse para eu olhar para baixo. Segui lendo o jornal enquanto Luma entregava o dinheiro ao ladrão que elogiou as pernas dela também. Então ele guardou o dinheiro e a agarrou pela cintura e levantou sua saia. Ela tentou resistir, mas ele colocou a arma na sua boca.

Quando ele começou a tirar o cinto de sua calça com Luma inclinada sobre o balcão, eu agarrei a arma de sua mão e o encostei na parede. Atirei bem entre suas pernas. Ele caiu chorando e sangrando com o pau estourado.

Ligamos para a ambulância. Minha torrada havia queimada. Pedi outra, desta vez com ovo junto.

- Quer mais café? – Luma perguntou.

Pedi um conhaque no lugar. O homem chorava sentado no chão. Luma e eu nos beijamos pela primeira vez. Desde então não precisei mais pagar pelo meu café da manhã dos sábados.