Quando acordei, a primeira coisa
que vi foram aqueles olhos gigantes dentro de um rosto redondo e rosado como um
jovem leitão me encarando da poltrona ao lado. Tive um pequeno susto. Mas ao
mesmo tempo esses olhos não me enxergavam, pois pareciam estar olhando,
vidrados, para algo que estivesse antes do meu rosto. Estavam em transe. O rosto redondo
era de uma moça mais redonda ainda, que estava chupando seu polegar. Ela o
sugava como um bebê. Fechei os olhos. Que merda, pensei. Abri novamente e ali
estavam os lábios fazendo barulhinhos úmidos sobre o dedão. Eu conhecia um
amigo que era cheio desses TOCs, mas ele nunca chupou o dedo. Ela chupava. Instantaneamente
imaginei as maravilhas que ela não faria com sua técnica apurada. Até
daria para encarar.
TÉCNICA APURADA
UM SILÊNCIO ACONCHEGANTE
Alguns comiam bolinhos que traziam de casa. Trocavam sorrisos gelados. Eu sentia que começava a ficar sóbrio.
- Siiiim, tá todo mundo super comprando, guria! – grunhiu
uma garota que lambia os dedos sujos com algum doce, e logo após cumprimentou
sua amiga de uma forma que parecia ser um gesto criado só por elas.
Pedi licença e me retirei um tanto angustiado.
O sol estava laranja. Acendi um cigarro e sentei na grama.
Um ar morno massageava meu rosto. Agradável. Um silêncio aconchegante.
SÓ É PRECISO DE ALGUMAS DOSES DE INFLUÊNCIA
Ele estava com a barba por fazer há semanas.
- Por que não corta essa barba?
- Acho que nós precisamos nos desapegar desse mundinho que estamos habituados, saca?
- Não saco. O que é isso?
- Um ukulele – respondeu. – E começou a dedilhar o
instrumento com os olhos fechados.
Ela ficou observando aquilo por alguns segundo como se
estivesse enxergando algo estranho.
- Eu conheci outro cara, SACA?
- O amor é assim, deve ser compartilhado.
Ela suspirou irritada e foi até a geladeira pegar uma
cerveja. Quando voltou ele estava completamente pelado no sofá.
- Que porra é essa?
- Isto é a natureza. Você não saca a natureza?
Ela estava sentindo aquela vergonha alheia. Aquela que
sentimos quando vemos algum imbecil fazendo algo imbecil. Afinal, ele sempre
odiou toda aquela postura ativista-hippie-sustentável-amo-todo-mundo. Até ler
uma reportagem onde afirmavam que isso era uma tendência. Esse era o fato que
ela não engolia. Saber que ele não era aquilo.
Ficou mamando sua
cerveja esticada no sofá, refletindo sobre o quanto as pessoas são
influenciáveis. Acabou a bebida e arrumou suas coisas.
- Tchau, pra ti. Enfia esse uku... enfia esse troço na
bunda.
Saiu batendo a porta.
Ele deitou-se no chão. Pegou o instrumento e o encarou com
um olhar meio duvidoso.
Sorte que ela já havia indo embora.
[DES]COMPROMISSO
Estava ali há duas horas esperando. Calor. Muitas pernas de
fora.
Bebeu mais uma ceva. Sentiu-se leve. Relaxou um pouco e desligou o telefone.
Melhor deixar para amanhã, pensou.
E deixou.
Bebeu mais uma ceva. Sentiu-se leve. Relaxou um pouco e desligou o telefone.
Melhor deixar para amanhã, pensou.
E deixou.
Assinar:
Postagens (Atom)