SUA NOVA COLEÇÃO DE DISCOS



Ela entrou em casa eufórica. Sorria de nervosa. Estava realmente excitadíssima. Logo percebi que havia dado tudo certo, e que ela havia conseguido.

- Então, me conta como foi? – perguntei.

Ela escorregou na poltrona e com o olhar no vazio, aquele meio delirante, começou a contar como foi a experiência. Confessou sentir um pouco de medo quando a vítima soltou um gemido abafado e a encarou no fundo dos olhos.

- Nossa, aquele filha da puta me olhou como quem estivesse prometendo se vingar. Me assustei e afundei mais a faca. Desviei os olhos e soltei o corpo no chão. Só então pude voltar a respirar normalmente.

Sentei ao seu lado e a abracei. Disse que da próxima vez seria mais fácil. Que era como um vício. Ela começou a sussurrar no meu ouvido que sabia disso. Me encarou. E não sei de onde ela tirou uma faca e colocou com vontade na minha barriga. Cai no chão e fiquei ali respirando com dificuldade. A visão ficou embaçada mas consegui ver o vulto dela pegando a grana que a gente escondia.

Quando ouvi ela subindo as escadas meu desespero foi ao limite. Ela não podia fazer aquilo. Eu deveria ter escondido a coleção em algum lugar que só eu soubesse.

Tentava me levantar quando ela voltou e me empurrou com o pé de volta para o chão. Então percebi em suas mãos a caixa com a língua dos Rolling Stones estampada. Era onde eu guardava todos os vinis da banda. Todos. Alguns autografados pelo Keith Richards e edições limitadas. Não havia limites para sua loucura.

Ela levantou um pouco seu vestido e montou em cima de mim. Debruçou-se sobre meu peito e disse que eu não precisaria mais daqueles discos. Levantou-se e pisou na faca.

Ainda consegui ver ela ajeitando seu vestido e saindo pela porta rebolando e carregando sua nova coleção de discos.

LAMENTAÇÕES E TENDÊNCIA A UMA CRISE EXISTENCIAL



E continuava com as velhas reclamações. Do trabalho. Dos amigos. Do amor. De sua cara no espelho. Das roupas. Das trepadas. Do corpo. Da vida. E outras lamentações comuns entre qualquer indivíduo que vive se espelhando em modelos pré-estabelecidos e perde a capacidade de qualquer tipo de autoavaliação e opinião própria para se afundar em insatisfações.

Mas insistia em negar que o erro fosse seu.

SENTIMENTOS À FLOR DA PELE


- O seu problema é ficar planejando demais as coisas. Faça mais e pense menos.

- E o seu problema é não planejar nada.

- Existem situações que dispensam planejamento. É só seguir o instinto.

- Tipo?

- Porra, assim de supetão não me vem nenhum exemplo em mente?

- Supetão?

(...)

- De qualquer forma eu prefiro planejar e fazer as coisas com racionalidade.

- Esse é o problema da raça humana. Estão cada vez mais usando apenas a racionalidade e deixando as emoções se perderem. Muito em breve seremos um bando de zumbis sem sentimentos.

- Tudo bem, Seu Sentimental, vamos tomar mais uma?

- Viu? Pra que perguntar? Apenas peça mais uma.

Pediram outra cerveja e o garçom falou que estava fechando o bar.
O homem levantou-se, puxou uma arma e obrigou o garçom a trazer a cerveja.

- Esse é seu exemplo de sentimentalismo?

Esticou-se na cadeira, guardou a arma na cintura e acendeu um charuto.

- Ao se recusar a trazer a cerveja ele mexeu com meus sentimentos. Logo, eu reagi a isso. Sacou? Está tudo aqui, querida (tocou com o dedo o peito de sua mulher). Tá tudo aqui, ó.

Olharam-se e compartilharam um silêncio de cumplicidade.

SITUAÇÃO INTERMINÁVEL


Ouvia com atenção cada detalhe. Era até engraçado ver as expressões de dedicação escorrendo pelos rostos de cada um em sua volta. E tentava de verdade entender o que queriam com aquela conversa furada. Mas antes o que precisava entender era o que diabos estava fazendo ali.