PRO DIABO QUE O CARREGUE

Enxerguei ele vindo em minha direção. Estava na outra calçada, então seria fácil eu disfarçar que não o tivesse visto, assim como fazemos quando encontramos um conhecido inconveniente na rua, no restaurante, no ônibus. O pior é quando isso acontece exatamente depois de termos dado uma desculpa justamente para evitar o encontro com a pessoa. Quando se percebe a tempo, até se pode dar uma corridinha e entrar em outra rua. Mas acontece que fui pego de surpresa, e ele me percebeu. Mesmo assim, olhei para o chão e segui. Mas com o canto do olho percebi que ele havia atravessado a rua.
- Cara, não me viu? – perguntou. E falou sério, pois percebi a ingenuidade.
- Mas olha só! - falei.

Eu estava nauseado de ressaca e não havia dormido ainda. Percebi que ele segurava uma bíblia. Então, como mágica, sem eu perceber como aconteceu, ele já estava falando sobre algum conto de fadas que havia naquele livro. Eu suava. Ele tinha um brilho nos olhos. Parecia ter tesão pela palavra de deus. E tinha. Logo, ele deveria sentir tesão por deus. Fiquei pensando nisso sem ouvir o que ele dizia. Senti o embrulho. O azedume na garganta. Vomitei em seus pés. Bastante.

 - Você está bem?- perguntou, sem saber o que fazer.
- Acho que estou... possuído... pelo demônio. – falei, olhando nos seus olhos assustados como de uma criancinha.
- Calma... Deus... – ele falou. Tremia e segurava a bíblia perto de mim como se fosse uma espécie de escudo.
- Não! – gritei com uma voz rouca numa ótima interpretação do capeta. Ele bateu com a bíblia em minha cabeça. Eu bati o pé no chão como se espantasse um cachorro e ele saiu correndo. Provavelmente iria contar para o seu pastor o que lhe acontecera e daria todo seu dinheiro em troca de uma bênção divina.

NÃO PODIA PENSAR MUITO

Enquanto ele estava no banheiro do bar ficava lendo os recados deixados na porta. E um chamou sua atenção. Estava escrito que um homem pagava para comerem sua esposa. Ulisses, que já era um velho viúvo e com uma avançada catarata que o impedia de “dar bóia para os olhos” (assim se referia ao ato de olhar as garotas na rua) então anotou o número em seu celular com certa dificuldade, limpou-se e foi para uma mesa tomar algumas doses de Vermute, como sempre fazia. Quando acabou, ligou para o número.


Uma voz masculina atendeu e confirmou ser o autor do anúncio.

Ulisses chegou ao endereço informado pelo homem. Tocou a campainha. Um casal de gordos atendeu. Pareciam ter quase a idade de Ulisses, mas talvez ainda se iludissem com suas vidas, enquanto Ulisses já abraçara a realidade da sua. Os dois sorriram e o convidaram para entrar.

O marido explicou que devido ao seu peso ele não conseguia mais transar com sua patroa, pois ela também era enorme, e por isso resolveu deixar o anúncio na porta do banheiro. A gorda ruborizou e remexeu-se na poltrona.

- Entendo. – Falou Ulisses com um olhar embriagado para o gordo. – Mas eu pensava que fosse... 

- Uma gostosa – adiantou o marido gordo. – Você acha que eu pagaria para comerem uma gostosa?

Ulisses ficou sem jeito e levantou-se para se desculpar e ir embora. Então o gordo tirou um revólver da cintura, engatilhou e apontou.

O pobre Ulisses sentou-se novamente. A gorda acomodou-se ao seu lado toda sorridente, e sem cerimônias abriu a calça dele e começou o trabalho. Ele olhou para o gordo e a arma continuava apontada. A senhora levava jeito. E logo já estava nua em pêlo estendida como uma grande almofada no chão. Ulisses não podia pensar muito e atirou-se sobre ela.

O homem só abaixou a arma quando já haviam terminado. Esperou se vestirem e entregou o dinheiro para Ulisses, que se despediu e voltou para o bar para tomar um traguinho de seu Vermute.