TORRADAS COM OVO


Existem pessoas que costumam pensar nas consequências de seus atos. Eu não. Por isso resolvi aceitar o trabalho sem pensar duas vezes. Ainda mais com adiantamento.
- Cara, vê se faz direito isso? – perguntou Toni, estalando os dedos de nervoso.
- Já te disse. Confia em mim. Você nunca mais vai ouvir falar nela. Agora relaxa e me paga um trago.
Ficamos bebendo e combinando como seria feito. Expliquei meus métodos para tentar o convencer que não havia risco nenhum.
- Você está falando com um profissional – falei, acendendo um cigarro e olhando para o teto demonstrando minha frieza inescrupulosa de assassino.
No dia eu levantei mais cedo. Corri 5 km. Tomei um banho demorado. Passei o café e fiz torradas com ovo. Comi na sacada assistindo as pessoas e refletindo sobre as fraquezas de cada uma. O que as levavam àquela busca incansável por algo inalcançável? Eu não sabia. Então me vesti e fui fazer o que tinha quer ser feito. Matar Dora.
Eu a esperaria sair de casa no horário que Toni havia me dito e a abordaria no portão. No entanto, ela não aparecia nunca, e, sem eu perceber, senti o toque frio na minha nuca. Dora havia me pego de surpresa.
- Sei quem você é, Ed. Sei também que Toni te mandou aqui.
Fiquei em silêncio. Entramos em seu carro e fomos até a minha casa. Eu tive que ligar para Toni e chamá-lo. Quando chegou, Dora o esperava atrás da porta e fez o mesmo que fez comigo. Colocou a arma em sua nuca. Ele virou-se e levou um coronhaço no queixo que o jogou no chão. Ela atirou em seu saco e o deixou gritando e sangrando ali. Aproximou-se de mim e me beijou.
- Eu já tinha te visto andando com o Toni. Também sabia de seus trabalhos. E isso sempre me excitou. Eu iria te chamar para acabar com ele e fugir comigo. O que seria mais lucrativo para você.
- Ainda dá tempo.
Ela me deu a arma. Aproximei-me de Toni e atirei em seu peito. Dora e eu fomos para sua casa e fizemos algumas torradas com ovo.

CONFISSÃO


- Nossa! Você soube que mataram a dona Selma e fizeram uma limpa no seu cofre?
- Sim. Fui eu.

A SAÍDA É ADIAR


Não importava nem um pouco se estavam certos ou errados. Não precisava de respostas. Nem de opiniões vagas sobre conceitos a cerca da felicidade e da morte.
Para quê? - pensou.
E voltou a deitar antes que a chamassem para a realidade novamente.

DESLIGUEI E LEVANTEI PARA TOMAR O CAFÉ DA MANHÃ


- Alou.
- Oi, Beto.
- Deve ter sido engano, aqui não tem nenhum Beto.
Mas a mulher insistiu que eu era o tal de Beto. Ao menos tinha uma voz bonita.
- Ai, Beto, para de sacanagem. Bem, estou ligando pra matar a saudade. Você desaparece assim. Então, o que anda fazendo?
- Bem... eu não sou o Beto.
- Ai, você é louco mesmo, né? Sempre te achei o mais interessante por isso. Você faz umas coisas que a gente não sabe se é sério ou se é brincadeira. Espontâneo. Ai, meu deus, que saudade. Então, vamos nos ver?
- Tá...vamos, mas eu...
- Ok. Às oito no Bell’s.
Eu já estava tomando a terceira cerveja quando apareceu uma ruiva tatuada dentro de uma calça de couro. Quando me viu seus olhos brilharam. Me abraçou.
- E aí, quanto tempo?
- Pois é.
- Cada vez que te vejo você está melhor.
Conversamos um pouco e fomos para sua casa. Bebemos uísque e logo estávamos na sua cama. Cara de sorte esse Beto, pensei. Pela manhã, ela trouxe um álbum de fotos.
- Lembra disso?
Meu corpo tremeu quando me reconheci na foto. Estava abraçado com essa mulher em uma espécie de casa de praia. Algo meio rústico. Parecíamos felizes.
- Hum...
- Tá, eu preciso ir. Tenho que fazer umas fotos daqui a pouco. Pode ficar à vontade. Tem café pronto, tá? – falou e saiu rebolando enquanto prendia o cabelo.
Me estiquei na cama, acendi um cigarro e fiquei olhando para o teto tentando pensar em nada. Meu celular tocou.
- E aí, Ed, seu filho da puta. Que tá fazendo?
- Desculpe, quem está falando é o Beto. Não tem nenhum Ed aqui.
Desliguei e levantei para tomar o café da manhã.

FRACASSO EM BOA HORA


Tentou. Tentou de verdade ficar ouvindo cada um querendo ser o mais espetacular possível. Um amontoado de almas congeladas sendo carregadas umas pelas outras através da troca mútua de egocentrismo. 
Por sorte não passou de uma tentativa fracassada.

EXERCITANDO O DESAPEGO


Quando chegamos na sua casa, levei um susto ao descobrir que ela não tinha tevê. Na verdade, nem poltronas. Sequer cadeiras. Apenas algumas almofadas espalhadas pelo chão.
- Fica à vontade – ela disse.
O problema é que pessoas gordas como eu, têm dificuldades para sentarem-se no chão. Falta flexibilidade, o estômago esmaga. Dá falta de ar. Uma vez vomitei em um restaurante japonês, onde as mesas eram daquelas baixinhas, e é preciso sentar-se no chão em almofadinhas. Sem contar que a comida era uma bosta. Talvez fossem as pessoas presentes que a tornavam indigesta. De qualquer forma, ali estava eu já passando mal no chão da casa da Vera enquanto ela voltava da cozinha com uma garrafa de vinho.
- Você está suando. Tá tudo legal?
- Tô bem, tô bem – sorri envergonhado.
- Então, o que achou da minha casa?
- Muito legal... alternativa ela, né?
- Ai, sim. Eu aprendi a me desapegar, sabe? Você já parou para se perguntar do que você realmente precisa para viver? Faça um teste. Pense em tudo o que você tem. Você realmente NECESSITA disso tudo? Claro que não.
Haviam me dito que Vera estava numa onda de desapego depois que começou ler uns livros baratos de budismo. Eu só não imaginava que ela já estaria naquele nível em que parte do cérebro já está tomado por uma ilusão de que sua vida mudou, quando na verdade continua e continuará na mesma.
- Li esses dias que uma mulher largou tudo, vendeu seus bens e foi para o Tibet. Hoje ela é mestre de Yoga – continuava incansável.
Vera levantou-se e começou a mostrar algumas posições de Yoga que estava aprendendo. Mas então ela escorregou e bateu com a cabeça. Apagou na hora. Vi que respirava e aproveitei para ir embora dali, fazendo meu primeiro exercícios de desapego.

INCOERÊNCIAS


- Nossa. Não entendo nada do que essa gente tanto fala e fala e fala.
- Isso é porque nem eles mesmos entendem.

VIAGEM AO MÉXICO


Eu não pensava em trabalhar porque Eloísa me sustentava. Ela tinha quarenta anos a mais do que eu. Estava acabada. Sempre viveu na noite se drogando e bebendo. Mas ela gostava mesmo era da minha companhia. Eu não precisava trepar com ela. Eu tinha carro. Moto. E cartão de crédito sem limites. Vivia bem. Ela sabia também que eu tinha namoradas, como Leila, mas eu evitava leva-las para casa por respeito. Eloísa era uma boa senhora. Quando ela me disse que estava com aquela doença, me partiu o coração de verdade. Digo de verdade, pois ninguém acreditava que eu realmente gostasse de Eloísa. Claro, o fato de eu ser rico e não precisar trabalhar e ter que encarar pessoas que eu não gostasse apenas para ganhar um salário de merda no final do mês era o principal motivo de eu estar com ela, mas com o tempo adquiri um apego. Confesso que uma vez tentamos tomar banho juntos. Mas não rolou. Ela tinha vergonha de seu corpo.

Mas então por causa da doença ela me chamou para uma conversa e disse que não queria sofrer e me pediu para eu matá-la quando ela não conseguisse mais levantar da cama.

- Não fale besteira, Elo.

- Eu sempre vivi a minha vida intensamente. Não me arrependo de nada. E você acha que agora vou ficar entrevada numa cama me cagando e me mijando até a morte?

Na verdade ela tinha razão. Então concordei com a eutanásia. E semanas depois ela já havia piorado muito, não comia, mal falava, e finalmente combinamos que faríamos.

Uma noite eu sentei na cama ao seu lado. Sorrimos sem falar nada. Quando fui colocar a agulha no seu braço ela meu deu um tapa.

- Seu filho da puta. Você iria mesmo me matar, monte de bosta? Nem ao menos insistiu para eu desistir. Pensou que ficaria com meu dinheiro e iria para o México com aquela vadia da Leila como sempre quis? Pois está enganado.

A mulher levantou-se e tirou uma arma debaixo do travesseiro e apontou para mim. Comecei a chorar de verdade e disse para ela me perdoar. Ela atirou no chão e começou a tirar a roupa. Então se deitou na cama e me chamou, com a arma ainda apontada. Quando ela chegou ao orgasmo, soltou um último suspiro rouco e ficou imóvel. Verifiquei o pulso. Morta. Vesti minha roupa e chamei a ambulância. Eu estava mesmo em choque, juro. Foi sempre uma boa senhora. Mas agora eu iria poder ir para o México com Leila.