ENTRE IMPROVISOS



Mel estava se deliciando com minha coleção de discos. Como sempre, ficava admirando um a um demoradamente. E enquanto ouvíamos The Doors ela perguntou qual música eu escolheria se fosse me matar.

- Deveria ser uma pegada meio Jazzística, eu acho. Sabe? Longos improvisos e tal.

- Mas o suicídio não é um improviso – ela falou tirando uma faca da bolsa e passou devagar entre os seios.

Ela aumentou o volume e tirou a blusa. 

- E o assassinato? – perguntei.

Ela sentou-se no meu colo e colocou a faca em meu pescoço e me beijou. 

- Também não. Eu te dou a faca. Você me mata – me deu a faca. - Tudo planejado, sem nada de improviso também – falou levantando-se e indo até o quarto.

- As pessoas não fazem nada de improviso. Somos todos uns previsíveis que caminham uns nos rastros dos outros e compram as mesmas roupas e mesmos carros e mesmos cachorros e reclamam sobre as mesmas coisas – falei e logo ouvi um tiro.

Corri para o quarto e quanto entrei Mel pulou em cima de mim segurando a arma e dando a sua gargalhada rouca que eu adorava. 

- Isso foi um improviso – disse ala.

O disco havia parado de tocar. Trocamos por um de Jazz e nos deitamos rindo das previsibilidades alheias.

VERDADEIRAS PERSONALIDADES


Era difícil dizer quem estava mais nervoso. Pareciam querer devorar uns aos outros. Aquela típica reação humana que arrasta as pessoas para suas verdadeiras personalidades. Apesar de ser engraçado ver o espetáculo, ela decidiu sair daquele lugar o mais rápido possível. Não queria ter que conhecer a sua verdadeira personalidade.

INTERVENÇÕES INVOLUNTÁRIAS



- Antes você gostava mais de conversar. Falava, falava e falava. Nossa, confesso que às vezes eu ficava cansada de tanto que falava. Mas ao mesmo tempo sinto falta de quando você contava todos os detalhes de seu dia. Sabe? até que era bom te ouvir. Você contava tudinho...ah, como falava!...explicava sobre cada pessoa chata que tinha que aturar e como sentia-se bem quando me via e como queria largar tudo e...

- Cala a boca.

UMA HISTÓRIA SUJA II


Com certeza eu havia acordado com a pior ressaca dos últimos anos. A primeira coisa que me veio à cabeça foi se a mulher que me agarrou no banheiro público havia morrido lá.

Tomei um banho e abri uma cerveja. Eu estava com todo o dinheiro da mulher na minha frente,  na mesa da cozinha. Havia realmente muita grana. Se ela não estiver morta, acho que ela até preferiria.

Tocaram a companhia. Quando abri a porta, uma gorda com a roupa suja e cheirando a urina estava diante de mim. Era ela.

- Como tu chegou aqui? – perguntei para minha amante do banheiro.

- Não interessa. Quero minha grana – ela falou enquanto entrava no meu apartamento. Ela deve ter acordado e me seguido na noite anterior.

- Tu me agarrou e disse que me pagaria para ficar contigo – reclamei.

- Disse que EU pagaria, não que tu poderia pegar minha grana enquanto eu estava desmaiada.

Ela começou a recolher o dinheiro da mesa. Eu precisava daquela grana também. Pensei em matar ela, mas desisti e a agarrei beijando seu pescoço azedo.

- Então agora você me paga? – perguntei ao seu ouvido.

Ela virou-se e me beijou. Senti um gosto de vomito, mas já estava me acostumando àquilo. Então fomos para o quarto. Novamente ela terminou desmaiada. Dei uns tapas na sua cara para acordá-la.

- Bem, dessa vez não vou pegar sua grana, mas você me deve.

Ela vestiu sua roupa imunda e me deu a metade do dinheiro e foi embora sem falar nada.
Terminei minha cerveja diante da janela. Fazia um bonito dia de sábado, com sol, céu azul, e as pessoas conversavam com seus vizinhos na calçada enquanto seus cachorros cheiravam o traseiro  um do outro. Voltei para cama.

UMA HISTÓRIA SUJA


Eu estava há horas bebendo. Mal parava em pé. Então fui ao banheiro público e encontrei uma senhora mais bêbada do que eu. Estava limpando o rosto na pia coberta de vômito. Quando ela me viu escorregou e caiu de bunda no chão molhado, deixando escapar os últimos sinais de dignidade que um ser humano possa ter.

- Este é o banheiro dos homens – falei indo direto ao mictório.

Ela levantou-se e me abraçou chorando, fazendo com que eu mijasse um pouco nas calças.

- Fique comigo. Eu te pago.

Pedi para ela mostrar o dinheiro, e ela abriu a bolsa e deixou aparecer muitas notas. Então entramos em umas das portas onde ficam os vasos e nos trancamos. Senti-me enjoado, mas ainda assim era melhor do que muitas coisas da vida, como levantar às seis da manhã, almoçar aos domingos com parentes invisíveis ou levar cachorrinhos para cagarem.

Logo em seguida ela adormeceu com a cabeça na privada. Recolhi todo o dinheiro da bolsa e fui para casa tomar um banho.

O DESPACHO


Quando resolvi pegar a cachaça que estava junto de uma galinha morta com pipocas em uma esquina meu amigo quase me bateu.

- Tu é louco. Isso é um despacho. Coisa de batuque.

Coloquei um punhado de pipoca na boca e ofereci um pouco a ele, que deu um tapa na minha mão.

- Tu vai se arrepender de comer isso. Essas coisas são enfeitiçadas.

Ele até se despediu de mim ali mesmo e foi embora sozinho. Eu passei no mercado para comprar limões para tomar com minha cachaça amaldiçoada em casa.

Quando cheguei, tomei um banho, preparei um drink e liguei para casa de meu amigo. Sua mulher atendeu chorando.  Disse que ele acabara de chegar e teve um infarto fulminante. Ela estava esperando a ambulância.

- Estou indo para aí – falei.

Liguei para minha macumbeira.

- Então? – perguntou a velha com uma voz rouca de quem fuma cinco carteiras de cigarro por dia.

- Sua velha safada. Deu mesmo certo o trabalho que você preparou – agradeci. – Ah, e não precisava gastar com uma cachaça tão cara, ainda bem que eu peguei ela.

- Você tomou?  - perguntou assustada.

Quando fui responder senti minha garganta fechando e não consegui falar. Meus olhos pareciam que iam saltar da cara. Tentei discar para a emergência, mas todo meu corpo estava adormecido.


Desabei e fiquei congelado olhando para o teto.

REPETIÇÕES


Não queria mais repetir para as mesmas pessoas as mesmas palavras sobre os mesmos assuntos que os levariam aos mesmos lugares para serem alimentados os mesmo conflitos.

Por isso decidiu ficar apenas com os mesmos pensamentos.

SEQUESTRO


Eu estava sem dinheiro, mas não queria trabalhar, pois também não queria ter que ver as pessoas dentro de suas cascas vencidas que habitam os escritórios. O caso é que eu precisava arrumar uma grana. Então pensei em assalto. Mas não teria coragem. Liguei para Linda.

- Preciso de um favor? – falei

Ela desligou o telefone. Liguei novamente.

- Tu ainda não me pagou o dinheiro que te emprestei, e quer mais? - atendeu.

- É sobre isso que quero falar. Tenho uma maneira de conseguir a tua grana, mas preciso de uma ajuda.

Então combinei um horário e fui até sua casa. Eu adorava ir lá. Era uma casa enorme, e fizemos muitas festas lá. Linda era muito rica. Ela tinha uma piscina com um bar no centro onde os empregados faziam todo tipo de drink que se quisesse. 

- Por que não arruma um emprego? – perguntou assim que eu cheguei.

Beijei sua testa e pedi um uísque que ela mandou uma empregada trazer. 

- Vamos forjar um sequestro – comecei.

Silêncio.

- Forjar o seu sequestro. Eu peço a recompensa pro seu pai. Pago a tua grana, mais 20% e não precisarei mais te pedir nada - continuei.

- Ela deu uma gargalhada.

Expliquei os detalhes de como faria, do cativeiro, local da entrega da grana. Ela me olhou com uma cara de pena, como se estivesse diante de um louco e perguntou de quanto eu precisava. Respondi e ela assinou um cheque e disse que eu não precisaria pagá-la.

Pensei que seria mais demorado. Mas acho que ela realmente acreditou que eu estivesse falando sério ou enlouquecido.

UM CASAL À MODA ANTIGA


Durante nosso jantar ela elogiou meu relógio de ouro. Era um Rolex igual aos que os gângsters usavam nos filmes. Eu sempre quis ser um gângster.

- É do cara que eu matei.

Ela quase se engasgou com o vinho e começou a rir.

Eu fiquei um pouco sem graça e completei meu copo.

- O matei ontem. Vi ele na rua quando eu estava saindo do barbeiro. O relógio brilhava. Esperei ele dobrar uma esquina sem movimento. Encostei a arma nele e disse para ficar quieto. Fomos até um beco e coloquei um saco em sua cabeça. Eu já tinha visto isso num filme de gângster.

Ela me encarou séria e foi pegando sua bolsa.

- Este colar também é de uma mulher que matei – disse ela com brilho nos olhos.

Saímos do restaurante e seguimos um casal até seu carro. Enquanto eu colocava o saco na cabeça do homem, minha companheira usou um canivete na mulher. 

Peguei as chaves do cara e saímos com o seu carro. Era uma réplica de um Cadillac, igual ao dos gângsters. Então dirigimos até a praia para ver o amanhecer à beira mar.