COMO POMBOS


Parecia se excitar ao ver todos lamberem o seu rastro. Seu ego latejava tanto que era possível sentir as vibrações daquela alma crua preencherem cada metro quadrado onde os demais se debatiam como pombos por alguma migalha, mesmo sabendo que ela não viria.

EGOS VENCIDOS


Achava incrível a forma que eles se entregavam. A maneira como dedicavam horas de suas curtas vidas em troca de promessas de um reconhecimento. Em troca de um agrado para afagar seus egos vencidos.
Assistindo todo aquele circo até chegou a pensar, por um segundo, que estavam certos. Por sorte, foi apenas um segundo. O mesmo tempo que levou para dar o fora dali.

O SACRIFÍCIO


A mulher -Na frente do lugar estava apenas escrito “magia para todos os fins”. Entrei.
- Bom dia – falei.
 que depois se apresentou como madame Vick - que estava em uma mesa em volta de velas apenas me apontou a cadeira em sua frente. Me sentei e ela deu uma tragada em seu charuto.
- Você já conhece nosso trabalho? – perguntou com a voz encatarrada.
- Não, não. Eu queria saber como funciona.
Ela me explicou alguns procedimentos, formas de pagamento e, claro, falou sobre o sacrifício. Era simples. Bastava eu escolher alguma pessoa próxima para que o diabo ficasse com sua alma. Uma mão lava a outra.
Falei sobre meu objetivo e então ofertei minha esposa para o cabra. Assinei os papéis e fui para casa. Madame Vick havia me dito que em até três dias úteis estaria tudo resolvido. Inclusive a viagem de Lívia para a casa do capeta.
Quando acordei, numa sexta ensolarada, Lívia estava morta na cama. Ansioso, fui para meu emprego. Cuidaria dela depois. Durante o caminho havia um acidente. Quando me aproximei, quase não acreditei. Me sócio estava ali agonizando no asfalto. E ainda estava no segundo dia útil. Serviço eficiente.
Antes de meu sócio apagar, ele sussurrou para eu pegar algo no seu bolso. Era um cartão escrito Madame Vick – “magia para todos os fins”. No verso, meu nome estava escrito com sangue, igual ao que Vick me entregou com o nome do meu sócio no dia em que contratei seu serviço.
Coloquei o cartão no bolso e apenas voltei para casa. Já havia comprovado que o serviço não falhava.

A MORTE DO CLICHÊ


Duarte queria ser escritor. Então leu para mim um pedaço de seu mais novo “trabalho”. Desta vez era um pedaço de um conto sobre uma mulher que se apaixonava pelo seu professor, mas ele era casado e ela sentia-se feia e tinha que cuidar da mãe doente.
- “Sua profunda melancolia alimentava uma alma cansada de tentar buscar no âmago do seu ser a razão por não ter seu amor correspondido. Um punhal talvez resolvesse, pensou, encarando uma única flor que coloria o seu jardim, contrastando com o escuro do seu coração”.

Me encarou com o brilho nos olhos, com uma assustadora convicção.

Acendi meu cigarro e olhei para sua cara de perdedor e falei que ele nunca seria um escritor. Pode parecer cruel, mas é apenas a verdade. Se todas as pessoas dissessem a verdade, não existiria tanto mau gosto neste mundo.

Três dias depois, recebi um e-mail do Duarte.

“Algumas estrelas brilham, mas não são vistas. Por isso o melhor é se apagarem de vez”.

Havia uma foto de uma forca em anexo. Dias depois soube que o imbecil tinha mesmo se enforcado. Seu suicídio conseguiu ser mais clichê que os seus textos.

Sua mulher me procurou. Estava calma, mas me acusava de ser o culpado da morte de seu marido. Encontrei um texto dele que eu ainda não havia colocado no lixo e li para ela. Buscando interpretar ao máximo o contexto. Ela sentou-se em uma cadeira tentando conter o riso.

- Eu já tinha lido as coisas dele, mas confesso que nunca tinha me dado conta do tamanho da merda que eram

Ela pegou sua bolsa e ao se despedir me deu seu telefone e falou em marcamos uma janta “uma hora dessas”.

- Pode ter certeza que sim – falei e a encarei como um galã de novela. Mas ao menos eu soube o momento de usar um clichê.

MILIGRAMAS


Chegou em casa e a encontrou chorando no quarto.
- O que houve, baby?
Ela acendeu um cigarro em silêncio e mostrou o frasco vazio de comprimidos.