A MORTE DO CLICHÊ


Duarte queria ser escritor. Então leu para mim um pedaço de seu mais novo “trabalho”. Desta vez era um pedaço de um conto sobre uma mulher que se apaixonava pelo seu professor, mas ele era casado e ela sentia-se feia e tinha que cuidar da mãe doente.
- “Sua profunda melancolia alimentava uma alma cansada de tentar buscar no âmago do seu ser a razão por não ter seu amor correspondido. Um punhal talvez resolvesse, pensou, encarando uma única flor que coloria o seu jardim, contrastando com o escuro do seu coração”.

Me encarou com o brilho nos olhos, com uma assustadora convicção.

Acendi meu cigarro e olhei para sua cara de perdedor e falei que ele nunca seria um escritor. Pode parecer cruel, mas é apenas a verdade. Se todas as pessoas dissessem a verdade, não existiria tanto mau gosto neste mundo.

Três dias depois, recebi um e-mail do Duarte.

“Algumas estrelas brilham, mas não são vistas. Por isso o melhor é se apagarem de vez”.

Havia uma foto de uma forca em anexo. Dias depois soube que o imbecil tinha mesmo se enforcado. Seu suicídio conseguiu ser mais clichê que os seus textos.

Sua mulher me procurou. Estava calma, mas me acusava de ser o culpado da morte de seu marido. Encontrei um texto dele que eu ainda não havia colocado no lixo e li para ela. Buscando interpretar ao máximo o contexto. Ela sentou-se em uma cadeira tentando conter o riso.

- Eu já tinha lido as coisas dele, mas confesso que nunca tinha me dado conta do tamanho da merda que eram

Ela pegou sua bolsa e ao se despedir me deu seu telefone e falou em marcamos uma janta “uma hora dessas”.

- Pode ter certeza que sim – falei e a encarei como um galã de novela. Mas ao menos eu soube o momento de usar um clichê.

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