SEGREDO ENTRE AMIGOS

Não entendo muito bem o motivo dos amigos secretos. Pessoas que falam mal umas das outras durante o ano inteiro, não trocam um “bom dia”, e depois se reúnem para ficar citando as características do amigo até que ele seja descoberto e ganhe um abraço frio com um olhar vazio. O olhar não dá para disfarçar. Não se consegue olhar nos olhos de alguém que não se gosta quando se está encenando que gosta.
Meu amigo secreto era um cara que pensava que todos o adoravam quando na verdade ninguém gostava dele. Eu também não. Falei com ele no almoço

- E aí, Beto. O que quer ganhar? Eu tirei você
- Ah, para. – ele falou deixando cair um grão de arroz da boca.
- Sério. Não quero ficar adivinhando presente. O que você quer?
- Bem, então me dá um pacote de camisinhas que eu vou comer a Zoraide.– respondeu debochando e se engasgando com a comida.
Zoraide era a chefe. Estava na faixa dos 60, mas aparentava ter mais de 80.
- Ta certo. Vou indo.

Na sexta todos estavam alegres e aos cochichos vibrando para fazerem suas revelações. E todos se debandaram para a casa da Zoraide após o expediente. A nobre senhora havia preparado uma bela recepção com cerveja da melhor qualidade. Depois de algumas horas, a secretária começou a chatice.
- Meu amigo é um pouco nervoso, mas sempre está disposto a ajudar e...
- É o Nestor! – Respondeu uma voz aguda.


Acertou. Nestor pegou o presente e posou para a foto ao lado da secretária, e assim seguiu-se até que ouvi meu nome em meio às risadas. Minha própria supervisora.
- Isso é pra você não se atrasar mais, viu? – me disse enquanto entregava um despertador de camelô.


Foi minha vez.
- Meu amigo – falei – disse que vai comer a Zoraide. É o Beto.
Continuaram sorrindo, mas em silêncio. Beto pegou seu presente. Ele não olhou nos meus olhos.

Mais umas três pessoas foram presenteadas e terminou. A festa seguiu e Beto chegou em mim.
- Você é louco?
- Mas você não quer comer ela? Acho que hoje pode aproveitar. Se quiser eu falo com ela.
Me deu um soco no nariz. A própria Zoraide apareceu para separar. Beto aproveitou para ir se explicando.
- O que ele falou é mentira. Eu tenho o maior respeito pela senhora. – resmungava e, como um empregado exemplar, humilhava-se com a perfeita desenvoltura de um covarde.
Peguei meu despertador e fui para casa.