EU, EU MESMO E O COFRINHO

É estranho como a presença de outra pessoa pode ser muito mais chato do que ficar quieto num canto. Aqui estou eu, sentado, tomando alguns chops numa praça de alimentação imunda de um shopping. Que merda. Bem, como dizia, aqui estou, sentado sozinho e percebo que estou me sentindo melhor do que se estivesse na presença de outra pessoa em volta. Fico pensando tantas coisas. É como se conversasse sozinho, porém, em silêncio. Fico trocando idéias comigo mesmo. Isto aqui, por exemplo, está escrito porque comecei a pensar nessa porra toda. Comecei a ter um diálogo mental sobre esse tema e resolvi escrever enquanto curto a paisagem de pessoas se lambuzando com a gordura velha de suas polentas e batatas fritas e sorriem e conversam e cospem pedaços de frango na cara dos outros. Lindo. na minha frente tem um sonhora com o cofrinho extamente na minha linha de visão. Está com uma calcinha bege e rasgada. O chop está bem gelado. Viro o copo e vejo o cofrinho distorcido através do vidro. Ah, mas então, depois de muita demora, chegou a minha porção de poleta engordurada. É uma promoção. Paguei quatro chops e levei totalmente grátis uma porção de poleta. Cheguei a conclusão de que essas porções da promoção são o resto daquelas que todos devoram ali diariamente. Mas está bom pra caralho. Uns pedacinho caíram dentro do chop. Beleza, eu estou sozinho. Sorrio. O único verdadeiro problema de estar sozinho num lugar desses é ir ao banheiro. Não dá para ir mijar e deixar a mesa sem ninguém. Então, segurei fime, mamei meu quarto chop e fui em direção ao "toilet" com minha conversa silenciosa mais focada ainda, pois eu já não estou mais escrevendo. Mas como dá pra notar, consegui lembrar desse detalhe de não esquecer de escrever sobre o ato de mijar, e aqui está, tudo escrito. E graças a eu estar sozinho, senão, ia ter que tentar pensar nisso tudo ao mesmo tempo que uma companhia estaria falando nos meus ouvidos fazendo eu esquecer todo esse pensamento embriagado sobre... puta que pariu, acabaram de me chamar. Esqueci, enfim, a linha de pensamento. Só espero que seja para me pagar alguns chops com polenta.

SEDE

A língua
lambe a língua
com a saliva
que molha a
boca mordida
pela libido
dos lábios lambidos

CHEIRO DE NOVIDADE

O ápice do prazer é quando eu recém abro ela. Sinto aquele cheiro maravilhoso. Cheirinho de novo. A textura lisinha e macia. Constantemente fico até frustrado, pois acabo dando mais valor pela sua forma, o objeto em si, do que pela leitura que irei fazer.


O mais chato é quando isso passa de uma simples mania para algo que incomoda. Quando já estou lendo a revista, mas aquele cheiro das páginas novas me desconcentra. Cheiro da tinta. Cheiro do papel. Sei lá, só sei que é bom. Isso, aliás, acontece com qualquer coisa nova saída recém da embalagem.Tem uns que gostam do cheiro de jornal. Ou gostam do cheiro de gasolina. O engraçado é que não se trata do odor de algum perfume, de alguma fragrância, e sim, apenas um cheiro sem graça.


Vai dizer que você também não gosta? Mas já se perguntou o motivo desse gosto? Bom, talvez você nem goste mesmo, eu que fico pensando que uma merda dessas seja comum, quando não é. Se quiser saber, alguns dias atrás eu estava na banca de revistas apenas olhando, mas veio uma fissura e fui obrigado a meter a cara. Não comprei. Estava com pouca grana. O cheiro ao menos é de graça.
Mas quando se está dentro do ônibus não dá pra ficar cheirando a cada 5 minutos de leitura. Tem que disfarçar. O bom é fazer como se houvesse um detalhe muito interessante e tem que olhar bem de pertinho. Ah, que alívio. Viro a página e sigo. Mais para frente costumo dar uma risada de mentira. Faço de conta que achei espetacular o texto. Dou um tapinha com as costas da mão na página. Sacudo a cabeça, incrédulo com o que acabo de (supostamente) ler. Hum, é um papel diferente, só pode. Ele entra nas narinas e gruda a folha na cara. Tenho que forçar a cabeça para trás. Às vezes, nem percebo e a revista vem junto. Dou uma tossida. Olho para a criancinha mamando nas tetas da mulher sentada ao meu lado. E assim vou indo até descer do ônibus.