PORCOS



Não fazia a mínima ideia do que ela queria. Mas percebi pela sua voz que estava muito tensa. falou apenas para eu a esperar no lugar de sempre. Quando cheguei ela bebia um Martini.

- Estamos mortos – disse ala. A coitada tremia.

- Relaxa. O que houve?

- O Ed descobriu tudo. Ele apontou a arma pra mim ontem à noite e disse que vai nos matar e nos dar para os porcos.

- Você já viu esses porcos? – perguntei.

- Sim. Enormes. 

Pedi um uísque sem gelo.

- Bem, precisamos agir rápido, então. Volte para casa e arrume suas coisas. E amanhã fugimos – falei e nos despedimos.

Quando cheguei em casa, havia um porco velho no meu quintal. Enorme com cara de louco. Recuei, voltei para o carro e liguei para Lia. Deu na caixa postal. Olhei no retrovisor e vi um carro preto se aproximando. Arranquei, e ao dobrar a esquina quatro homens em motos me cortaram a frente. Acelerei, os derrubando. Sempre fui um bom motorista, então dobrei rápido em uma esquina e vi o carro preto batendo de frente com um caminhão de lixo. Eu estava com o tanque cheio, então dirigi para o oeste. The west is the Best. O sol se despedia laranja e gordo. E eu tinha uma garrafa de conhaque quase cheia dentro do porta-luvas. Consegui parar de pensar nos porcos.

RESTOU FAZER O MESMO



Sabia que teria gente demais. Sabia que ouviria besteiras demais. Sabia que sentiria vontade de sair correndo e encher a cara na primeira espelunca que encontrasse. Por isso levou em seu casaco uma pequena garrafa de uísque. Ficou distante para que não a vissem.

Não adiantou.

Aproximaram-se com sorrisos e discursos patéticos que a obrigaram a desistir de manter o mínimo de bom senso. Afinal era isso que todos faziam.

DOIS FILHOS E UM CACHORRO



- É melhor você decidir o que pretende da sua vida. Fica sentado aí o dia todo. Não quer...

Então eu saí sem falar nada e fui beber na rua. Depois de algumas horas e muitas doses, refleti que ela estava certa. Eu precisava mudar minhas atitudes. Tomar jeito. Voltei para casa confiante. Bêbado, mas confiante. Havia um bilhete sobre a mesa. Bia havia ido embora. Mando alguém buscar minhas coisas, dizia a cartinha, além de ofensas de variados níveis. Joguei o papel no lixo e comecei a chorar. Peguei a arma e coloque na minha cabeça.
Tocou o telefone. Soltei a arma e atendi. Era Bia. Também estava chorando.

Depois de alguns algumas horas ela estava de volta em casa. Nos beijamos e Trepamos e fizemos promessas. Até filhos combinamos ter. Dois. Além de um cachorro.

Ela me acordou com café na cama e me deu o número de um amigo seu que gostaria de conversar comigo sobre um emprego. 

- É uma ótima oportunidade no banco. Imagina você todo lindo de terno e gravata? – ela falou com brilho nos olhos. – À tarde vai ter uma feira de doação de animais ali na praça. Podemos ir também – continuou.

Fui até o banheiro disfarçando minha ressaca e vomitei arrependido de não ter apertado o gatilho na noite anterior. 

UMA DOSE DE NADA



Como eu já estava cansado de ouvir as pessoas mentirem umas para as outras com o objetivo de tentar ser alguém que elas gostariam de ser - mas que por falta de dedicação ou pura incompetência não conseguiam -, eu resolvi dizer a verdade para Liza sobre o fato de eu não ter um emprego. E também não querer ter um. Ela vestiu-se e disse ter lembrado de um compromisso e foi embora. 

Virei para o lado e dormi até às duas da tarde com um sol lindo entrando pela janela. O céu estava limpo. Dia agradável. Daqueles em que as pessoas sorriem para o caixa do supermercado. Liguei o rádio e fiquei pelado ouvindo Beatles enquanto as pessoas lá fora acreditavam estarem cumprindo algum papel importante que lhes traria alguma recompensa, quando na verdade, estavam apenas fugindo de si próprias.

ENGANO


Quando eu estava na escola, lá pela quarta série, a professora de português Letícia, uma morena de olhos claros de quase dois metros me assediou dentro da sala de aula. Após o sinal, ela disse para eu esperar, pois precisava falar comigo. Então eu comecei a ficar até depois de todas as aulas de português.

Lembrei-me dela porque a encontrei esses dias enquanto eu tomava umas cervejas após o trabalho. Apesar de velha, continuava bela. Era uma mulher vaidosa. Estava bebendo sozinha no balcão do bar.

- Letícia?

- Sim.

Ela demorou a me reconhecer, afinal eu estava muito mais bonito do que no tempo da escola. Então me apresentei e a abracei. Eu disse em seu ouvido que sentia saudade de suas aulas. Ela sorriu levemente envergonhada.

- Você era um bom aluno – falou me encarando.

Paguei alguns drinks, conversamos e a convidei para ir até minha casa.

Foi quando chegamos que ela tirou uma arma da bolsa e apontou pra minha cara, me amarrou em uma cadeira e ligou para alguém. Ela me perguntou o endereço exato e em poucos minutos chegaram dois homens e roubaram tudo da minha casa. Inclusive minha coleção de vinis.

- Por que você fez isso, Letícia?

-Talvez porque eu não seja a mesma Letícia. Professora? Eu nem se quer terminei o ensino médio.

Ela pegou as chaves do meu carro e foi embora com os dois homens.

ACEITAÇÃO



Procurava sempre ouvir os outros para tentar entender onde queriam chegar. O que procuravam. Queria buscar alguma resposta para tamanha demonstração de narcisismo.
Mas desistiu quando percebeu que poderia ser ainda mais deprimente do que simplesmente aceitar a convivência.

O MILAGRE


Tirei o dia para ficar absolutamente à toa. Comprei cervejas e liguei para Lívia. Ela também gostava de ficar à toa. Na verdade todas as pessoas gostam de ficar à toa. Se alimentar do ócio. Mas preferem enganar-se e pensar que são úteis em alguma coisa.

Lívia apareceu junto com outra mulher. Mais alta do que ela. Mais bonita. 

- Oi – falou. – Esta é minha amiga Laura.

- Oi, Laura – falei.

Ela sorriu, mas não falou nada. Parecia não entender direito. Parecia meio imbecil.

- Ela é surda e muda – contou Lívia. – Ficou assim depois de um acidente.

Fui buscar mais cervejas, e quando me virei, a surda e muda estava parada atrás de mim. Tomei um susto e ela me beijou. Fomos para cama. Ela emitia uns ruídos estranhos, como se quisesse falar alguma coisa. Quando estava em êxtase, soltou um grito. E começou a falar e a chorar de emoção.

- Estou falando – dizia emocionada. – E ouvindo. Muito obrigada.

- Não foi nada, baby – eu disse, todo orgulhoso, enquanto acendia um cigarro.