APENAS RESPIRAR UM AR MENOS SUJO


Salas de emergência sempre foram lugares ótimos para casualidades. Eu estava há mais de duas horas sentado ali dentro. Fazia uns 40 graus. Minha febre uns 39. Algumas pessoas desmaiavam, outras vomitavam. Alguns vomitavam e depois desmaiavam. Além das que choravam. Quase entrei no clima, mas resisti à tentação passando os olhos em uma revista de dois anos atrás. De repente uma senhora entra na sala abrindo espaço com o seu decote e suas pernas que pareciam mover-se em câmera lenta. No mesmo instante, um garoto que parecia meio bêbado ao meu lado foi chamado. As pernas então ocuparam o lugar, em câmera lenta.

- Boa tarde – falou a dona com uma voz suave. Parecia um sussurro ao pé do ouvido.
- Boa se não fosse o calor – respondi com um sorriso tão imbecil quanto o comentário.
Ela sorriu e cruzou com elegância o par de pernas. Um homem em nossa frente vomitou pela terceira vez.
- Muito calor – ela respondeu indiferente.

Os cabelinhos de sua nuca estavam úmidos com o suor. Minhas costas derramavam febre e álcool e eu precisava respirar um pouco de ar menos sujo, mas não queria perder o lugar ao lado dela.
- Acho que vou pegar um ar ali fora – falei.
- Eu ajudo você.
- Mas você pode ser chamada e perder sua vez.
- Eu estou apenas esperando notícias do meu marido. Na verdade acredito que ele nem volte mais para casa.
Eu não quis entrar em detalhes sobre seu marido semimorto para não perder a oportunidade.
- Ok – respondi.

Fomos até um restaurante em frente ao hospital. Realmente já me sentia melhor. Pedi uma cerveja e dois copos. Eu não voltaria mais para o hospital. Febres são passageiras, o hipocondrismo é um dos males dos seres humanos. Mas ela teve que voltar para saber se o seu marido já havia morrido.

- Tem mesmo que ir? – falei, sem nada a perder, colocando a mão em seu joelho.
Ela me deixou seu número e as pernas descruzaram-se levando o decote. Estiquei-me na cadeira vitorioso e terminei a cerveja sem pressa. Queria esperar certo intervalo de tempo para chegar em casa e ligar para ela para saber notícias sobre o marido.