MUDANÇA DE PLANO

Foi um daqueles momentos em que decidimos mudar de vida. Com uma convicção sempre espantosa. Enquanto eu ouvia música, ficava ali fantasiando em como seria minha suposta futura vida. Um trabalho de verdade, vizinhança tomando banho de mangueira enquanto lavam seus carros aos domingos depois de levarem seus cãezinhos para cagar nas calçadas.

Servi uma bela dose de conhaque para brindar o momento. Estiquei-me na cama olhando para o teto imaginando o tipo perfeito de esposa que eu teria e qual cachorro poderíamos comprar para enfeitar o quintal da casa.
Mas antes que pudesse lembrar de algum pedigree, as batidas na porta me despertaram.
Pus minha calça e fui atender. Olhei antes. Era a mulher do Pablo. Era uma linda senhora que andava frequentemente bêbada se exibindo pelas ruas. Assim que abri a porta ela entrou chorando. Estava fedendo a cerveja.

- Meu marido me expulsou. – falava soluçando.
Percebi uma mancha roxa no olho esquerdo.
- Ele te bateu?
- Sim. Falou que eu fico me exibindo para os colegas dele em todo lugar que nós vamos.
- Você não fica? – perguntei, olhando para seu decote.
Ela soluçou e fungou o nariz ranhento.
- Tome. – ofereci uma dose. – Vai fazer bem.

Servi outra para mim e fui até a janela. Observei por alguns minutos as pessoas para lá e para cá, arrastando com dedicação exaustiva seus desejos frustrados. Dei um leve sorriso. Fechei a janela e fui para cama onde a minha hóspede roncava.

SATISFAÇÃO GARANTIDA

Eu não queria ir, mas fui praticamente forçado pelo Miranda, pois todos estariam lá e seria Mmuito divertido. Fui. É engraçado ver as pessoas alimentarem uma expectativa para as coisas. E mais engraçado é ver as frustrações escorrendo por não terem alcançado tal expectativa. Na verdade quando colocamos algo em nossa mente, as imagens projetadas são como um comercial de TV. Nos vemos dentro de um contexto completamente satisfatório e sempre em terceira pessoa, o que aumenta nosso encantamento, pois percebemos perfeitamente o que está em nossa volta e temos a noção de estar dentro do ambiente que desejamos.

É a expectativa que todos criam, por exemplo, quando vão passar aquele maravilhoso final de semana na casa da praia com os amigos, mas quando chegam lá não enxergam mais o que projetaram. No momento em que estão inseridos na realidade chegam a conclusão de que nada mudou, portanto, não há motivo para euforia, mas sempre forçam a barra.

- Chegamos! – gritou Miranda, todo empolgado. – Vamos correr para pegar os quartos antes que o resto do pessoal chegue! hahaha


E saiu correndo todo sorridente e saltitante pelo quintal da casa. Percebi que Val sentia uma ponta de vergonha por ser casada com ele. Levamos as coisas para dentro e logo chegaram as outras pessoas. Amigos e amigos dos amigos. E logo chegou a chuva. E logo éramos cerca de quinze pessoas dentro de uma casa que suportava no máximo oito. Arriscamos uma volta, mas as ruas estavam bastante alagadas para os carros. Voltamos e ficamos sentados olhando a chuva. Aquela sensação hipnótica de ficar olhando para as gotas nas poças começou a se transformar em um tédio absurdo. Resolvi que teria que me arrastar pelo dilúvio para comprar algo para beber, e quando estava saindo ouvi a voz de uma das amigas dos amigos.


- Não acredito que ele vai sair com toda essa chuva para comprar bebida. Além de ficarmos presos com esse tempo, vamos ficar presos com um bêbado.

- Com um bêbado e uma puta. - completei. - Combinação perfeita.

Ela voou sobre mim com as unhas na minha cara. Foi preciso dois para arrancar ela de cima. Ela chorava como criança. Levantei-me e sai para fazer as compras e no caminho lembrei do dinheiro. Voltei. Minhas coisas estavam esparramadas no barro sob a chuva. Minha carteira também foi para o barro. Peguei e saí. Comprei uma dúzia de cervejas. Voltei e fiquei bebendo e olhando para toda aquela bagunça. Afinal, a expectativa que eu projetei na minha cabeça antes de partirmos foi exatamente essa. Satisfação garantida.

UM DIA DE FOLGA

- E pra você?

A mulher não me respondeu. Ficou parada no balcão me olhando bem nos olhos e me deixou um pouco nervoso e até com medo, pois estava realmente imóvel e havia uma mosca teimosa em seu rosto que ela parecia nem perceber. Fiz alguns sinais. Nada. Não tive como não perceber um pequeno bigode. Deve ser desconcertante, para uma mulher, ter que parar na frente do espelho para tirar o bigode. Mas o detalhe cômico perdeu a graça quando a situação saiu do limite. Tentei, em vão, chamar sua atenção novamente perguntando se ela estava passando bem. Ela começou a rangir os dentes. Sua cabeça começou a tremer com a força que fazia entre os maxilares e começou a vomitar sobre o balcão. Corri para o outro lado e peguei a dona pelos braços e tentei levá-la para fora.


- O que houve? - perguntei. Ela me empurrou e tirou uma arma da bolsa. Colocou em sua boca e atirou. A platéia logo se formou, bem como os policias. E na mesma rapidez que todos chegaram, logo sairam. A velha urgência efêmera pelo sensacionalismo e tragédia. Na mesma urgência fechei o bar para tirar um dia de folga e fui para casa mais cedo fazer uma surpresa para minha patroa. O risco que se corre em fazer esse tipo de surpresa é encontrar alguém comendo a sua mulher, ou, como foi o meu caso, de encontrá-la com o creme de barbear sob o nariz para tirar o buço. Dos males, o menor.