RECOMEÇO

Mal os fogos acabaram quando um grito no meio da multidão vestida de branco chamou a atenção de todos para a outra ponta da piscina do hotel.
As pessoas correram para o local abandonando seus sorrisos e suas bebidas sobre as mesas. Me obriguei a segui-las e vi uma mulher dentro de um vestido branco e muito justo abraçada ao corpo de um homem.

O que houve? – perguntei para um garoto que parecia fascinado por ver a morte pela primeira vez e de tão perto.
Antes de o garoto responder um senhor careca apareceu com uma expressão séria.
- Acho que ele teve um mal súbito. – falou com um bafo de álcool apontando para a mulher em prantos com seu marido no chão.

Saí cambaleando um pouco e me dirigi até a mulher. O seu marido estava com os olhos arregalados, como se ainda estivesse vivo.
- Um brinde. – falei sorrindo e olhando a perna da mulher praticamente toda de fora.
Ela ficou mais transtornada e começou a gritar na minha cara.
- Nunca ouviu falar em beber os defuntos? – Perguntei e derramei uma gota na boca do cadáver.

Aos poucos as pessoas foram saindo, disfarçando uma chateação e voltando para suas mesas e seus sorrisos e suas bebidas. Ela apenas abraçou o corpo. E eu fiz o mesmo me abraçando a ela e ficamos os três abraçados. Ela se virou com força e me derrubou por cima de uma taça e acabei cortando meu braço. Lavei o sangue na piscina e me deitei ao lado do homem morto e ficamos ambos na mesma posição.
- Então, baby. Quem você prefere? Ele ou eu?
- Alguém meu ajude. – começou a ficar histérica. Eu continuava deitado e enxergava tudo por debaixo de seu vestido e ninguém a ouvia. A música já estava alta e até os seguranças estavam completamente bêbados cobiçando as garotinhas. O caos reinava.- Você não percebe, baby? É o destino – falei enquanto admirava sua langerie. – Venha pra cá. Está muito melhor aqui em baixo.


Ela desistiu e se ajoelhou novamente ao lado daquele pedaço de carne que jazia entre nós e colocou seu lindo rosto colado no dele. Eu, do outro lado, me debrucei para me aproximar e roubei um beijo da viúva diante dos olhos escancarados do ex-marido.

- O que está acontecendo? – ela delirava sem acreditar em nada. Parecia estar querendo sair de um pesadelo.


- Não importa. Isso aqui – apontei para o nosso amigo – é passado. Devemos esquecer o passado. Então servi uma taça e passei a mão sobre o rosto do defunto para fechar suas pálpebras e fiz um brinde.

- Feliz ano novo.