UMA DESPEDIDA DAS COISAS QUE NÃO SERVEM PARA COISA ALGUMA


Na hora achei apenas curioso. Porém, após o observar por alguns segundos, a surpresa deu lugar a uma espécie de medo, tamanha era a semelhança daquele cara comigo. Me aproximei.

- Olá – falei.

- Olá – respondeu automaticamente, sem demonstrar nenhum espanto por olhar para alguém exatamente igual.

Ele voltou os olhos para o jornal, e vi a cicatriz em sua nunca. A mesma que a minha. Sentei junto dele.

- Desculpe, o senhor...

Ele me encarou,  interrompendo.

- Desculpe, o senhor...

Sorri.

Ele sorriu.

- Qual o seu nome? – perguntei.

- Qual o seu nome? – disse minha cópia.

- Isso é brincadeira – falei sem jeito.

- Isso é brincadeira.

Fiquei imóvel o encarando e tentando entender que diabos era aquilo. Ele fez o mesmo. Apenas me encarou. Fiquei sério. Ele também. Fiz de conta que ele nem estivesse ali. O ignorei e pedi um café para mim. Então ele voltou os olhos para o jornal, também me ignorando. Terminei meu café e levantei para ir embora. Ao chegar à porta, o homem parou ao meu lado. Acendi um cigarro e ofereci outro. Ele ignorou e saiu caminhando em silêncio. Quando dobrou a esquina, entrei no meu carro e fui para casa. Me sentia leve. Esquisitamente calmo. Parecia que tirara um peso dos ombros. Liguei para Niquei, minha esposa, apenas para ouvir sua voz, e ela estava eufórica, dizendo que havia encontrado uma mulher igual a ela na saída do trabalho e que, por algum motivo, depois daquele encontro estranho ela se sentia mais tranquila consigo mesma. Disse que me amava. Eu disse o mesmo e desliguei. Aumentei o volume do rádio. Tocava Aretha Flanklin, se não me engano. Sim, era Aretha.